domingo, julho 23, 2006

Tentações, Dilemas e Oportunismos

A TENTAÇÃO

O futebol é uma das actividades humanas que atinge um maior número de pessoas e desperta emoções.

As Marcas, cada vez mais, para se distinguirem têm que apelar às emoções dos seus consumidores.

Perante um evento com o potencial de captação de atenções (e emoções) como o Mundial, a Tentação é óbvia: associar a nossa Marca ao Mundial, ou à Selecção, ou a um jogador, ou no limite "ao futebol".

O DILEMA

Quando uma marca grande (não confundir com Grandes Marcas) decide que tem dinheiro e quer "comunicar alguma coisa que tenha a ver com o futebol", e tem o azar de ser portuguesa, chega de imediato ao primeiro dilema:
  • O futebol nacional está ciclica e repetidamente associado a escândalos, corrupções, palavrões, etc, etc. Enfim, tudo coisas pouco recomendáveis a marcas "bem".
  • Mas movimenta paixões, é o único tema de conversa do "povo"...
  • Só que não dá para patrocinar digamos o Porto porque os outros não sei quantos milhões de portugueses vão odiar a marca que o patrocinar... idem para Benfica e Sporting (lembram-se da Parmalat...?).
  • Também não dá para usar a imagem de um jogador local porque com toda a probabilidade estará a mudar de clube daí a uns meses (lembram-se dos "Sumólicos", que tinham como particularidade estar sempre no sítio errado na altura errada...?)
  • Patrocinar a Liga também é arriscado... qual a marca portuguesa que usaria como vedeta de cartaz o inefável Valentim Loureiro ou, se for à Federação, o Gilberto Madaíl?...

E portanto a regra é as marcas grandes e que têm dinheiro de facto, gastá-lo numa ou várias actividades redundantes: patrocinam-se os clubes todos (casos Vodafone e depois PT), ou patrocina-se um único jogador de preferência apátrida (BES e Cristiano Ronaldo, Pauleta e os queijos...), ou então patrocina-se a Selecção.

Aí são três cães a um osso.

É que desde há uns anos (concretamente desde o fim de 2002, ou seja desde o fim de António Oliveira, desde o fim das Paulas...) a Selecção é mesmo um produto muito apetecível.

Então não é que os portugueses até cantam o hino, penduram bandeiras e enchem ruas?

E começa o campeonato da "associação". Encomendam-se estudos para saber qual das marcas grandes é mais "associada" à Selecção, procuram-se formas cada vez mais descaradas de colagem aos êxitos alheios (casos Galp, BES, Sagres...), num mini-campeonato em que se pretende convencer as respectivas Administrações que sim senhor vale mesmo a pena investir nestas coisas.

Mas o grande dilema é mesmo este:

É normal que a comunicação de uma marca que se quer perene e ao limite "eterna" fique tão associada a algo tão efémero como uma emoção que dependa de uma bola no poste ou um penalty mal assinalado?

Uma marca grande quando embarca para uma coisa destas, por muito grande que seja, tem que dedicar uma fatia substancial do seu budget a esta associação. E frequentemente há surpresas desagradáveis. Veja-se o recente caso do Europeu Sub-21. Aparentemente era o sítio menos arriscado para investir, era o que tinha associações mais "puras" e positivas. E deu no que deu.

Assim, e para minimizar o risco de perda de atenção das pessoas face a eventos desta dimensão (é assim que isto é vendido às Administrações das tais marcas grandes), corre-se um risco brutalmente maior de pura e simplesmente se ter... azar (esta é uma palavra do agrado dos gestores de risco de entidades bancárias...).

O OPORTUNISMO

Mas a coisa complica-se ainda mais exactamente por causa do tal mini-campeonato das "marcas que andam ligadas aos futebóis".

Como há que captar aquela lagrimazinha que os outros ainda não captaram vai de abusar.

  • E surgem coisas como os hinos cada vez mais pseudo-exigentes ("ai que bom que nós vamos ganhar... vamos comê-los... corram lá vá...");
  • Como o esquartejar da bandeira para coisas cada vez mais rasteiras e comerciais
  • E...

E há ainda a derradeira tentação, aquela em que se pensa "temos que estar em cima do acontecimento, não podemos perder uma oportunidade". E então tomam-se aquelas decisões...

"Se Portugal ganhar, põe-se o anúncio A, se Portugal perder põe-se o anúncio B".

De preferência logo no intervalo a seguir ao fim do jogo. Para não perder aquela lagrimazita.

Para explorar aquela emoçãozita.

Chama-se a isto OPORTUNISMO.

E parte-se do princípio que os consumidores são todos burros e não percebem.

Eu acho que não.

Quem abusou do meu desânimo no fim do jogo para me impingir uma suposta solidariedade ganhou (no meu caso) uma enorme má-vontade.

São aliás os mesmos que já tinham sujo a Bandeira com anúncios, são os mesmos que inventaram um evento altamente mediático e de publicidade à borla com records do Guinness...

Parece inevitável mas foram mesmo longe demais.

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